Sapatona, a luta continua! Fascismo Social e Fascismo de Gênero: as frentes de luta das lésbicas hoje

Memória Lésbica
23 min readNov 4, 2022

Por Jan.

Imaginamos que todas vocês estejam muito mais otimistas agora em suas vidas, com a vitória sobre Bolsonaro. E nós celebramos também o começo do fim desse pesadelo, uma importante batalha foi ganha, por meio da mobilização ativa de muitas de nós.

Por outro lado, é cedo para alimentar ilusões de o fascismo estar longe do seu fim. Pelo resultado das urnas, vimos que a extrema-direita está bastante enraizada na maioria dos Estados de muitas. Embora Bolsonaro tenha cometido grande estelionato eleitoral próximo a campanha com compras de votos e medidas assistencialistas, praticamente metade da sociedade quer seriamente nossa extinção. No sul e sudeste especialmente, muitas cidades e Estados possuem maioria bolsonarista, nas famílias de muitas de nós não se avexam de escancarar seu lesboódio através de tal alinhamento “político” perverso, em defesa de seus privilégios e da exploração e opressão de muitas e muitos.

Então a luta ainda não acabou! Não vamos vencer o fascismo e o lesboódio apenas nas urnas, embora tenha sido um passo importante de repúdio e retirada de parte do poder de um fascínora. A pressão sobre governo Lula será mais fácil do que sobre um governo de extrema-direita que não disfarça seu desprezo e se apoia no chauvinismo populista. Os governos progressistas de Lula-Dilma na onda populista de esquerda dos anos 2000 se apoiaram na demagogia em cima da figura dos pobres, negros e “LGBTs”, então isso criou condições mais favoráveis a que, ante pressões populares de nossos movimentos sociais, se façam concessões em direitos que fazem alguma diferença em nossas vidas, mas muitas vezes podem servir apenas para nos pacificar. Não vamos negar que houveram melhorias no período Lula-Dilma e que o golpismo ocorreu justamente porque a democracia burguesa promove uma impossível conciliação de classes e as elites se tornam reacionárias ante avanços da classe trabalhadora, feminina, negra. Mas justamente quando governos progressistas se tornam predominantes e toda nossa ação política se esvai no ato de votar de quatro em quatro anos, os movimentos sociais se domesticam e até dormiram ante o que estava sendo germinado em termos de fascismo, e depois ficamos a mercê de figuras salvadoras como Lula porque não construímos um movimento forte de bases para dar conta das nossas necessidades. Muitos movimentos revolucionários como MST perderam seu caráter combativo pelo aparelhamento estatal, inclusive diante dos bloqueios golpistas das estradas defendendo a intervenção da polícia e do STF ao invés da ação da classe trabalhadora tomar as ruas para fazer frente ao fascismo como foi muito mais eficaz na ação de torcidas organizadas e grupos Antifa ou movimentos espontâneos de trabalhadores para desfazer os bloqueios. Sabemos que a polícia é uma herança da ditadura militar e semente do fascismo, força que monopoliza violência para defender as elites e o poder autoritário, e estes não irão agir para defender o povo, estão apoiando golpistas e são perigosos. Toda polícia é malígna. Nós Lésbicas também não podemos contar com figuras que apelam a criminalização do Lesboódio justamente porque não podemos contar com a polícia, e hoje a sapatona Stephanie Marques enfrenta a prisão por se defender de um estuprador (vamos publicar em breve sobre). As prisões, a polícia, as leis servem para oprimir às nossas classes.

Mas diante disso tudo podemos tirar uma lição: nada se ganhou na história sem luta e mobilização, direitos ganhos na democracia burguesa podem ser facilmente revogados. Então não podemos esperar dádivas de quem nos governa. Precisamos seguir em mobilização constante.

A luta continua! Frente a essa conjuntura, defendemos a continuidade das lutas e a organização das lésbicas.

Papel da Heterossexualidade no Fascismo

O que explica que tantas mulheres ainda votem em Bolsonaro e saiam às ruas a defendê-lo, dentre elas as próprias mães, irmãs, primas e conhecidas, antigas colegas e amigas das lésbicas? Em comum o que as faz defender uma figura que advoga violência à mulheres é o quanto priorizam seu privilégio heterossexual e os recursos ganhos através da aliança com homens que detêm a propriedade privada e dos meios de produção da qual usufruem, e que portanto defendem tão veementemente por suas vantagens obtidas. Novamente, a heterossexualidade se mostra um empecilho à revolução feminina, talvez o empecilho histórico maior, fundacional do Patriarcado, no qual as primeiras a se subjugarem a homens em troca de Poder criaram a miséria de tantas (LERNER; 1986). Será eternamente a ser combatido e por isso muitas decidimos pelo separatismo ou lesbocentramento.

Do mesmo modo, mulheres da extrema-direita se aferram a seus privilégios de raça e de classe, também obtidos originariamente dessa aliança com os criadores desses sistemas que foram os primeiros patriarcas, a exemplo de Carla Zambelli como mulher branca que persegue para exterminar um homem negro, pois a mesma serve o homem branco em troca desse lugar de prestígio.

Nas nossas vidas vemos o lesboódio vir das próprias mães, ou a cegueira, negação e silêncio, ante a denúncia de abuso sexual da filha que, ao apontar o próprio pai e marido delas como seu perpetrador, ganha a negação e encobrimento da mãe e a omissão, fazendo a sobrevivente amargar o sentimento de traição realizado por essa mulher que deveria protegê-la em prol de priorizar sua aliança com esse homem. Um exemplo disso foi Michele Bolsonaro encobrindo as falas pedófilas de seu marido Bolsonaro sobre “pintar um clima” com meninas venezuelanas. Sabemos que a filha dela corre grande risco, além de ter sido considerada já uma “fraquejada” por seu genitor (e estar nas mãos de uma pastora líder narcisista). A heterossexualidade rompe laços entre mães e filhas originariamente.

Heterossexualidade fere seriamente a revolução feminina, as relações entre mulheres, e as melhores condições da nossa classe, e portanto fere a democracia potencialmente. O bolsonarismo/fascismo brasileiro possui forte caráter heterossexista em sua paranóia com relação à “Ideologia de Gênero” e sua defesa da “Família” tradicional. É um dos seus carros chefes lutar contra a ameaça que representamos à essas instituições de controle e produção social.

Enquanto o movimento feminista não reconhecer a legitimidade da mobilização política e cultural de lésbicas radicais, nos acusando de sectaristas ou utópicas por apontar a contradição de não abolir o regime heterossexual ou se comprometer em criticá-lo seriamente, estará regando uma semente importante do fascismo dentro dele mesmo e na sociedade, assim como é com outras opressões como o racismo, o especismo e o elitismo.

O Fascismo de Direita e de Esquerda e as Lésbicas

Ou nos organizamos ou desaparecemos… é difícil se mobilizar politicamente quando a consciência radicalizada é alvo de uma intensa campanha de difamação que vemos hoje contra a Memória Feminista e Lésbica, empreendida pelos estudos de gênero que visam renegar a origem de todos estudos feministas: o movimento feminista e lésbico radical de segunda onda, derivado dos anos 70 e 80 em países anglo-saxões e europeus, e na redemocratização dos 90 na América-Latina/Abya Yala (GARGALLO, 2004).

Assistimos um desmantelamento do movimento feminista e lésbico. Somos misturadas a outras siglas e “dissidências”, e o feminismo se torna movimento LGBT. Sem deixar de reconhecer a discriminação por ser travesti ou homem gay, os problemas queer e feministas não são os mesmos: o sistema está assentado na exploração reprodutiva da classe de sexo mulher. Há hoje um apêlo a mistura e inclusão de questões transgênero e de identidades de gênero como questões do movimento de mulheres e do movimento feminista (SÁNCHEZ, 2022). Reconhecemos que existem discriminações à população travesti, transexual e aos homens gays sem conformidade de gênero, mas em nossa análise estes são efeitos do heterossexismo secundários à estrutura de gênero criada pelo sexismo.

Mas como os movimentos gays, por seu elemento de privilégio masculino, foram aparelhados pelo Neoliberalismo nos anos 90, assim como as lésbicas que se convenciam da necessidade de coalizão com homens, emergiu o movimento homossexual liberal, hoje chamado LGBT ao integrar vários sujeitos políticos num suposto mesmo guarda-chuva de opressões, e acabaram por se tornar novo instrumento de opressão à mulher (JEFFREYS, 1993). Neste mesmo momento e clima histórico dos 90, com redemocratização dos países latino-americanos e fim da Guerra Fria abrindo portas à Globalização do Capitalismo e a narrativa da “Pós-História”, a tecnocracia capitalística médica e farmacêutica inventa a figura da transexualidade (YAOYÓLOTL CASTRO, 2012 ) (RAYMOND, 1994), por meio de tirar lucros da dor da opressão sexista e heterossexista internalizada de muitos sujeitos e sujeitas, oferecendo-lhes ao invés de emancipação, a adaptação conformista à ordem social opressora, por meio de tratamentos que responsabilizam e individualizam a pessoa em seu sofrimento de ordem social.

Estas elites médicas criaram doutrinas sustentadoras de seus mercados, sendo o próprio conceito de gênero surgindo do psiquiatra misógino Robert Stoller, e estas hoje instalaram uma perseguição política atroz contra feministas e lésbicas radicais e a todas que ousem exercitar o pensamento crítico frente ao generismo ou fundamentalismo de gênero. Seja por meio da ameaça legal por clamar “discriminação” onde há divergência teórica, seja pelo abuso de figuras como a da “transfobia” aplicada indiscriminadamente onde haja divergência, seja por meio do assédio moral e pressão psicológica realizada por transgeneristas e suas aliadas e aliados contra quem discorde.

A pressão política e psicológica que realizam, vexando nosso posicionamento, é intensa e massiva, e conseguiram cooptar e aparelhar quase todo movimento social, nos reduzindo a minorias críticas que podem porém ser muito ativas. Por mais minoritária que sejamos, consideremos que qualidade vale mais que quantidade. As maiorias quase sempre são alienadas, e está faltando trabalho de politização dessas lésbicas. Como diz Julie Bindel, se o feminismo agrada homens, desconfie. Se é impopular, se incomoda, é porque está certo.

Homens disfarçados de nós estão atentando contra nossa segurança, contra nossos conceitos e usam ferramentas de intimidação para serem bem sucedidos. Vimos na campanha contra Bolsonaro que pessoas que não eram lésbicas ou gays puderam vivenciar na pele o que é estar num armário e terem que manter silêncio sobre seus posicionamentos políticos, por medo de violência. O mesmo se aplica a lésbicas e mulheres radicais e críticas. Também outras semelhanças que apontamos é o mesmo aspecto cultista e fanático, quase religioso, do transativismo, avesso à reflexão e reativo ante qualquer questionamento. É extremamente difícil mudar a idéia de quem se alinhou ao trans-queer, se aferram ideologicamente sem questionar e se tornam mesmo irracionais, agressivos/as, defendendo métodos violentos como o “Bash Back Queer” retirado de fanzines “anarcoqueers” que distorcem a figura da auto-defesa e da violência revolucionária para autorizar e validar agressões de homens que se falseam em sua classe de sexo contra mulheres ativistas das quais discordam. Esses elementos do sexo masculino e suas apoiadoras, inspiradas nessa contra-cultura, passam a violentar e depredar ações e projetos feministas como abrigos para vítimas de estupro e bibliotecas feministas, interditando também atos feministas e agredindo ativistas, destruindo seus materiais de campanha como vimos em países como Canadá, Reino Unido, Espanha e Chile este ano. Inclusive estão despolitizando o próprio anarquismo com esvaziamento teórico, reduzindo ao comportamental e estético com ranços altamente liberais.

Também se valem de academicismos de Judith Butler ou Donna Haraway para justificar a mutilação de corpos como “ser ciborgue” na tecnocracia ecocida e ecofóbica de gênero como pseudo avanço civilizatório em termos “trans-humanistas” (idéias também projetadas de abuso da ciência para fins maníacos por ultra-liberais como Elon Musk por exemplo). Celebram as mutilações de lésbicas que renegam nossa diferença sexual como seios, e alguns vivem uma verdadeira mania coletiva de difícil desprogramação, devido aos mecanismos empregados de “love bombing”, bombardeio de amor que recebe toda pessoa que transiciona ou que cede a pressão para, e porque dissociam conceitos da realidade material referida (mas quando destransicionam são jogados na sarjeta e perdem redes de apoio). Como diz Marilena Chaui: “Linguagem não se referencia mais ao mundo, e se torna jogo de mantras”, eis a base ideológica do pós-modernismo, que sustenta o Neoliberalismo.

Como o liberalismo é a ideologia predominante em nossas sociedades democráticas, através de idéias simpáticas porém despolitizadas como de “Diversidade” e “Inclusão” ganham simpatia de humanistas liberais (a maioria das pessoas nas democracias ocidentais tem por base essa ideologia), que graças ao seu comodismo não se atrevem a ser combativas para defender nosso movimento, permitindo tudo em prol da “liberdade pessoal”, mesmo ações que danifiquem pessoas, a si mesmos e plataformas de ação política.

Alguma semelhança da violência política de muitos queer-transativistas com o ultra-liberalismo da direita facha? Assim como as ações violentas de golpistas estão distorcendo e difamando nossas ferramentas clássicas de luta como a ação direta, barricadas e trancamento de ruas, com zero propósito material ou revolucionário, os movimentos trans deturpam a idéia da auto-defesa para justificar assédio político e violência contra mulheres ativistas. Os movimentos de gênero apresentam muitas vezes fanatismo, são resultado do liberalismo tanto quanto as subjetivações narcisistas bolsonaristas, porém com uma cara progressista. Esquerda ou Direita muitas vezes se torna indiferente para mulheres pois a misoginia possui manifestações próprias de cada segmento e por isso mesmo, o próprio movimento de Segunda Onda partiu de uma separação das mulheres da sua atuação nos movimentos socialistas, declarando autonomia política do movimento de mulheres: o Feminismo (FIRESTONE, 1976).

Podemos considerar que a resistência à conscientização radical de muitas mulheres e lésbicas se deve à dificuldade que encontram de abrir mão de práticas nocivas a si que no entanto oferecem alívio psicológico a sentimentos disfóricos, ao sexismo internalizado e questões de auto-imagem derivadas. A prática de consumir hormônios e realizar cirurgias estéticas como mastectomias, realizadas para adquirir a leitura social como outro sexo, partem de uma verdadeira situação de adicção ao gênero. O Gênero se tornou um vício, não o podem abolir porque dizem, “acabaria a graça”. Por que não vêem o mundo com maiores possibilidades sem o que eles mesmo chamam do estrito “binário” dos gêneros?

O gênero é de condicionamento tão enraizado, desde infância, tão introjetado, internalizado, que chega a ser difícil de erradicar em seu âmbito subjetivo (pois gênero não se expressa apenas enquanto subjetivação, mas como estrutura de hierarquia sexista, enquanto discriminação de papéis por sexo). Também, este oferece algum tipo de gozo, pois a sensação de poder emprestada pela Masculinidade, ou a pornificação da Feminilidade, se tornaram necessidades psicológicas. Mas se indagados sobre o fundamento político das práticas de gênero na qual se envolvem, apenas apontam para saídas comportamentais altamente individuais e sem projetos políticos coletivos, como a subversão de gênero que talvez ofereça sensação de onipotência pela transgressão temporária de regras. A subversão, no entanto, não sustenta no Tempo-Espaço a construção de um mundo comum de emancipação de todas pessoas dessas amarras. Inclusive, se fosse o interesse universalizar a liberdade de gênero, não haveria a invenção identitária da não-binariedade, uma vez que não-binários dependem de que hajam pessoas “binárias” para existirem. Senão que sentido faria deixar a palavra mulher para trás se nada mudou além da inconformidade de gênero? Para que mulheres que se consideram “nb” existam, dependem que existam as que elas supõem que possuem por essência a subordinação da feminilidade, e isso é um abandono da classe mulher, uma estratégia individual e não coletiva de superação do gênero.

Vamos jogar fora a nossa definição de mulher tão necessária a organização de classe, por conta de problemas psíquicos da opressão internalizada de alguns? A Disforia deve ser lutada no âmbito social, por meio da consciência e estudo, não podemos ceder à chantagens que apelam a socialização de maternagem e complacência das mulheres, para abandonar nossas definições. Isso tudo à custo de todas conquistas de anos de movimento de mulheres, apenas para que desfrutem de um fetichismo da sua e nossa opressão. Estamos dispostas a ajudar essas pessoas a lutarem socialmente contra a opressão de gênero, é como acreditamos que apoiamos pessoas com disforia ao invés de mentir pra elas ou concordar com mentiras como a de que é possível mudar de sexo ou definir seu gênero, quando o que define são forças materiais, estruturais e sistêmicas que precisamos derrubar nesse âmbito e não no âmbito individual e ilusório.

Assim como votantes de Lula experienciaram o medo de se posicionar, o medo de serem visíveis, de colocar um adesivo, um botton, ou colar um adesivo no carro e bandeira no carro e na casa, na bicicleta, enquanto bolsonaristas esfregavam o tempo todo em nossa cara o orgulho nacionalista, as bandeiras coloniais verde-amarelo, e a sua supremacia heterossexista, branca e de classe, muitas lésbicas têm medo de seguir uma página feminista, são indagadas caso o façam, são questionadas quando com um livro ou ostentando o símbolo da Labrys ou a bandeira lésbica roxa e negra clássica.

São questionadas com desconfiança caso peguem um adesivo ou bottom com a Labrys, com o dizer “Lésbica Não-Queer” como ocorreu a mim. Se andam com determinadas pessoas, são excluídas, se expressam opiniões e se posicionam corajosamente, são ostracizadas.

Existe um clima de medo que vem funcionado à fascistização do movimento feminista e lésbico, e vem causando a mesma polarização violenta e anti-dialogante, e um clima anti-democrático, sob argumento de pessoalizar as discussões.

Stencil e lambes de lésbicas radicais em ato da Visibilidade Lésbica em SP em 2015.

Discussões políticas são importantes, o Pessoal é Político significa que politizamos o que ocorre em nossas subjetividades e vidas, e vivências experienciadas como privadas na verdade são políticas e participam de um sistema de dominação implantado em nós ou por meio da gestão de nossas vidas. Mas não podemos mais realizar muitos debates necessários porque sentimentos de pessoas acabam sendo atingidos e tais debates são tegiversados sob a figura da “violência”. Como tudo no pós-modernismo, palavras perdem seu sentido.

Com o clima de medo que inibe debates, mais o carisma obtido pelo seu aspecto apolítico focado exclusivamente na diversão das performances de gênero que não constróem organizações de luta, o monopólio dos meios de entretenimento e socialização, do meio artístico, o monopólio do capital humano operado por certas figuras lésbicas narcisistas que se erigem em popularidade, recrutam lésbicas ao queer pela sedução social quando lésbicas experienciam solidão e invisibilidade, e as mantém inimigas umas das outras politicamente, ameaçam com ostracismo através de punição exemplar de algumas segregadas socialmente, e campanham para anular a identidade lésbica de todas na epidemia de grupo modista não-binária e de nomes sociais (outrora nome artístico mas precisam se sentir especiais na “era do narcisismo” como já demonstrado pela psicanalista Elizabeth Roudinesco), e por fim impôem comparsas homens igualmente narcisistas que se apropriam de nossa identidade lésbica como se fossem brinquedo de gênero e se acham no direito de acessar corpos lésbicos — por definição, corpos inacessíveis a machos, o que revela um fetichismo perverso. São algumas situações de violências políticas e lesboodiosas, e dinâmicas sociais de exclusão dolorosas vivenciadas em algumas cidades do Brasil narradas por muitas. No caso de lésbicas que praticam formas de renda autogestivas, é especialmente dramático em cidades pequenas porque seus empreendimentos serão sabotados e isso obriga todo mundo a se alinhar ao transativismo sem questionamento ou por terrorismo e culpa.

Para ser radical sempre se exigiu na História, muita coragem e caráter, honra e lealdade à ética e valores, pois traz muita solidão a rebeldia. Mas não é opção negar nossa consciência, traz muita dor e dissociação da realidade. A popularização do queer causou intenso dano aos laços sociais, mesmas rupturas que bolsonarismo causou: amigas antigas deixando de falar ou olhar na sua cara, namoros que se rompem porque a transgenerização criou conflitos no relacionamento íntimo daquelas lésbicas ao exigir a anulação da trajetória e identidade lésbica da parceira, perda de círculos de amizade, e até mesmo conflitos entre familiares, quando mães e pais genuinamente preocupados por seus filhos são demonizados como “transfóbicos” quando estes expressam preocupação com as inquietudes de gênero de menores de idade e com a saúde de seus rebentos.

Adeptos do queer também estressam cognitivamente as pessoas, com a linguagem neutra, algo que só vem afastando e sectarizando LGBTs das classes populares e periféricas, que estão distantes de tais debates que não promovem acessibilidade. Muito embora tenhamos acordo quanto ao androcentrismo da língua, favorecer um universal neutro (neutralidade não existe) não parece boa opção, e ao invés de favorecer a visibilidade das mulheres. Universais como o “e” ou o “x” apagam populações oprimidas uma vez mais, pois mencionar mulheres se tornou uma ofensa e proibido. A humanidade consiste em duas: há dois sexos, há humanos e humanas. Essas experiências são diferentes e a linguagem nomeia essas diferenças e especificidades, quando não é opressora simplesmente assinala diferença. A diferença não é um crime, nascer mulher não é um crime.

Mas se tivermos medo em breve desaparecemos. Assim como foi preciso sair do armário para enfrentar o fascismo, e romper com relações alinhadas ao ódio. Nós não temos ódio, temos críticas ou indignação com os ataques ao movimento de mulheres e lésbicas, ou indignação com a destruição do corpo, mente e saúde das lésbicas amigas, namoradas, ex. Mas jamais nos recusamos a educar ninguém ou debater a questão, sempre quem é rechaçada somos nós, e as reversões, projeções e gaslight são constantes para nos acusar do que transgeneristas fazem: são eles que perseguem, reprimem, e se colocam de modos supremacistas reais hoje por como se impõem compulsóriamente, com os apoios que possuem de Estados, ONGS, indústrias médicas e capitalismo Pink.

A parte da sociedade coptada pelo fascismo de extrema-direita se coloca contra essa população de forma realmente violenta e repudiamos veementemente. Trata-se de um equivoco cair na falácia de que nós lésbicas radicais somos conservadoras, é uma grande ofensa nos comparar a eles, que são nossos inimigos de classe inclusive muito mais importantes de serem enfrentados do que pessoas do campo progressista com as quais apenas discordamos, e pedimos que parem de nos violentar politicamente e impedir a crítica política à tendências que consideramos contra-revolucionárias. Existem muitas formas de luta dentro do campo progressista, não acreditamos que o movimento de gênero liberal seja caminho e queremos liberdade de discutir métodos revolucionários e denunciar o que não são. Novamente temos que repetir: “o feminismo nunca matou ninguém, o machismo mata todos os dias”, as mortes de transexuais são obra da violência de homens, não nossa. Crítica política não pode ser comparada com política de ódio, é anti-democrático e uma calúnia constantemente propagada contra nós pra nos censurar e interditar politicamente.

Lésbicas são massacradas junto à categoria trans nesse projeto de eliminação de toda dissidência do regime hétero, então jamais poderiam nos comparar com a direita. Inclusive nos uniremos estratégicamente se necessário para lutar contra essa frente fascista. São os mesmos que nos matam.

Inclusive nós da Memória Lésbica acreditamos que seria possível delimitar espaços de luta específicos da categoria trans para prevenir colonização de movimentos, para que coloquem suas demandas por eles mesmos, se fazendo responsáveis de criar sua política ao invés de se contentar com a lógica assistencialista de inclusão. Mas talvez isso nunca tenha se dado porque ao contrário do que gostaríamos de acreditar, boa parte do movimento trans, os que insistem em negar a realidade do sexo em suas implicações políticas e sociais, especialmente e a especificidade da questão das mulheres, foi desenhado para o projeto de backlash anti-feminista, foi desenhado pelo Patriarcado-Capitalismo, nossos estudos e experiências só nos levam a essa conclusão ao longo dos anos. Os movimentos de mulheres e lésbicas alinhados ao generismo o fazem sob pressão e aos custos de falsa consciência, custando nossas ferramentas teóricas. Estamos vivendo coerção de várias formas, e isso ocasiona a sabotagem de potências pensantes e críticas, além de impedir o pensamento de mulheres e lésbicas.

O ambiente acadêmico é responsável como aparato ideológico do Estado que é, por meio dos Estudos de Gênero, de disseminar essa doutrina (pelo seu aspecto inquestionável). Assim o pensar segue sendo patrimônio masculino, pois mulheres só podem pensar em termos masculinos: através do instrumental conceitual queer e de gênero liberal, únicos permitidos na produção acadêmica. Deste modo, mulheres e lésbicas seguem participando na REPRODUÇÃO do sistema patriarcal, no aspecto ideológico e educacional, pois são coagidas a pensar e produzir nos termos pedidos por homens, estes que dominam os Estudos de Gênero, ou lésbicas perdem seus empregos e carreiras acadêmicas. Deste modo, seguem no convencional papel reprodutivo destinado a mulheres.

Há um projeto de extinção das lésbicas, o clima fascista de gênero já iniciou a nossa desaparição e invisibilidade. Hoje muitas de nós temos que romper com um segundo armário: o da política lésbica radical. Acabar com a categoria mulher, lésbica, é acabar com a possibilidade de dispor de recursos conceituais para a consciência de classe e a mobilização dessa classe. Assistimos a uma fragmentação das classes trabalhadoras que se dá pela uberização e informalização, e assistimos uma fragmentação dos movimentos sociais, surgindo mil palavras muito únicas para atender cada necessidade individual narcísica de dispor de um “gênero” único, assim podemos ser chamadas de tudo: nb, agenero, boyceta, sapatrans, tudo menos lésbicas, mulheres lésbicas. Como nos unir? Como obter unidade de classe?

Quantas amigas suas ou ex-namoradas, se tornaram não-binárias ou transicionaram recentemente para “homens” trans? Quantas hoje entendem serem chamadas de mulher como um xingamento e ofensa? Por que nossas palavras se tornaram proibidas? Por que esse fenômeno não atinge tão ferozmente homens gays?

O objetivo é recrutar todo mundo para a categoria trans, e por trás não podemos deixar de desconfiar do lobbysmo burguês comercial da indústria médica, estética e psiquiátrica que faz lucros nessa questão, ambulatórios de gênero existentes inclusive no HC de São Paulo e em várias clínicas privadas. Lésbicas ao se declararem NB (mesmo que NB repudiem os dois gêneros, muitas são clientela das mastectomias e muitas caminham para a transição total como homem) deixam de se entender na categoria de luta Mulher para se entenderem como parte de um movimento onde não serão contempladas em sua especificidade de sexo, mas como “trans”, numa diluição universalista com “todes”. Lésbicas Caminhoneiras passam a entender butchfobia, exclusão de banheiros e vestiários, como transfobia, e não como lesbomisoginia e lesboódio, não se organizando contra sua real opressão. São levadas a trabalhar na opressão de outros ou “todes”. Sempre devolvidas à maternidade como função social feminina. Estão sequestrando nossas sujeitas políticas para esvaziar nosso movimento.

A criminalização pelo clima punitivista e cancelatório-linchatório da organização específica de sexo, necessária às demandas das mulheres e lésbicas, está acabando com nossas plataformas de ação política, com nosso direito de organização.

E nos individualizam em nossas consciências, porque fazer militância acaba tendo custos altos como carreiras e vidas afetivas e sociais, então nos mantemos na privacidade de nosso pensamento e juízo crítico sem objetivar isso em ações materiais e opiniões. E essa lucidez solitária causa sentimento de loucura e isolamento nas lésbicas de consciência radical.

Por que esse fenômeno não atinge tão ferozmente homens gays? Será que não diz do alvo sexual dessa política de desaparição e extermínio simbólico e cultural?

Uma vez na história os fascistas perseguiam com violência e extermínio, a comunistas e anarquistas. Hoje fascistas de gênero perseguem feministas e lesbofeministas, e toleram aquelas que se alinham as suas demandas conservadoras dos pápeis sexuais: as conservadoras do gênero em expressão liberal.

O objetivo disso tudo, como em todo conservadorismo que alveja sexo, é dispor da classe das mulheres em seus serviços sexuais e reprodutivos, e desmobilizar a maior fronteira existente contra a classe dos homens que é a lesbiandade. Não se enganem: queer, generismo, e boa parte do LGBT aparelhado à essa ideologia, serve a manutenção da Supremacia Masculina, mesmo que em aspecto progressista.

O facismo de esquerda porém, não consiste apenas na questão transativista que se apresenta de forma agressiva hoje. Criticamos as organizações radicais e materialistas que se preocupam obsessivamente nessa questão de gênero, perdendo de vista as outras que afetam nossas vidas práticas. Para lésbicas, o fascismo de esquerda se apresenta também nas inúmeras faces do sexismo e da exclusão de mulheres, denunciadas por exemplo pelo blog “Esquerda sem misoginia”, sendo o sexismo um aspecto do fascismo, precisa ser enfrentado ou tais movimentos se apresentam conservadores no que diz respeito à mulheres e lésbicas. Como diz Andrea Franulic e Paula Nazarit em “Feminismo e Fascismo”, escrito assinado por toda Abya Yala que repudia o falso comparativo (reversão) de nós radicais ao fascismo:

“As feministas que não acreditam na política da identidade são insinuadas ou diretamente insultadas ao serem comparadas a feministas “pró-vida” ou com a direita. O feminismo não pode ser fascista, e portanto, não validamos cumplicidades, nem mesmo estratégicas ou circunstanciais, com aqueles que historicamente defendem um sistema social baseado na misoginia: a direita, uma distinção política no entanto cada vez mais sem sentido, num contexto em que o neoliberalismo é o projeto de todas as forças políticas institucionalizadas. É preciso não confundir as coisas. Isso não implica porém, ignorar as nossas diferenças políticas, quanto mais desqualificá-las a priori, alinhando-nos com a estrutura simbólica masculina”.

O Fascismo precisa ser derrotado não apenas nas urnas, mas na sociedade. Uma sociedade patriarcal, heterossexista, racista, especista, ecocida e de classes burguesa que parasita a classe trabalhadora, seguirá germinando as sementes do fascismo em sua estrutura, pois ser radical significa arrancar o mal pela raíz. Medidas reformistas, governos progressistas, apenas arrancam a parte visível dessas estruturas de dominação e criam aparência ilusória de estabilidade para os donos do Capital prosperarem. E não há paz com aqueles que nos exploram, eles se tornarão reacionários organizados como mostra hoje o movimento golpista e religioso fundamentalista cristão.

Do mesmo modo, apelamos que façam um exame crítico do que é o Queer (ao menos o queer liberal, se houver setores que estejam realizando autocrítica) e o enaltecimento do Gênero Liberal dentro dos nossos movimentos progressistas, seu caráter anti-popular que não dialoga com os setores mais pobres e que são definitivos para subverter os meios de produção e de quem dependemos para mudar as coisas. O aspecto reacionário à mulheres e lésbicas do movimento queer masculinista, e como ele escancara uma faceta fascista e fanática, repressora e violenta com classes que não são a inimiga comum, ou como declaram num falso exame de conjuntura, a classe “Cis”, conceito altamente falhante e ideológico (cunhado originalmente por Volkmar Sigush psiquiatra que também criou o conceito de pedossexual, indicamos artigo para leitura pois não negamos o conceito por birra, e sim porque rejeitamos empregar conceitos sem entender sua genealogia e função, especialmente damos primazia a genealogia no pensamento de mulheres de definições que usamos). O conceito de Cis toma por inimigo mulheres, ou mulheres que não cedem a pressões de se auto-identificarem de outra forma mesmo possuindo inconformidade de gênero, mostrando que a categoria trans carece de materialidade quando se trata de modismos apropriatórios da luta de outréns (pessoas com verdadeiras disforias e discriminação estética por inconformidade de gênero). O conceito cis coloca de forma imaterialística uma mulher como opressora ou obtendo vantagens de outra pela mera auto-identificação, mesmo colocando lado a lado uma butch com história de inconformidade desde a infância mas que não renega a palavra mulher, e alguém que apenas se define como não-mulher, logo trans, não-binária, que haja construído sua estética rebelde de gênero posteriormente na vida. Não tem aplicação prática o conceito para nos ajudar a entender opressões e dinâmicas entre oprimidos e opressores. Parece ser só mais uma maneira de dividir mulheres e lésbicas.

Não estamos contra liberdades de ser, de se vestir, da recreatividade e reinvenção, não estamos contra a liberdade sexual (sem opressão), não estamos contra artes performáticas quando não forem sexistas e racistas, não estamos contra gays que rompem com masculinidade, super nos aliamos à afronta da sociedade hétero. Mas somos contra a imposição ideológica sob ameaças e campanhas pelo desmantelamento de movimentos sociais de mulheres e lésbicas, e esses eventos devem ser vistos como expressão do fascismo patriarcal neoliberal, como novas roupagens do Patriarcado.

Esperemos que esse escrito seja lido e impulsione pessoas bem intencionadas progressistas a perceberem com o que estão se alinhando, façam um exame crítico, ainda temos que reforçar que não estamos contra cidadania e direitos da população trans, essa é uma crítica política a atuação de setores e figuras oportunistas ou manipuladas deste movimento. E sejam corajosas, questionem, duvidem, reflitam. Não entre pra história contribuindo com a instalação da repressão, censura e destruição do movimento de mulheres e lésbicas, de suas políticas e direitos.

Às lésbicas de consciência radical, convocamos a que se organizem e saiam do silêncio, do armário e do isolamento. Escrevam para nosso e-mail caso estejam buscando espaços de atuação política: memorialesbicas@gmail.com

A Luta Continua!

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BIBLIOGRAFIA

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GARGALLO, Francesca. Las Ideas Feministas Latinoamericanas. Ediciones Fem-E-Libros, Creatividad Feminista, Mexico: 2004.

JEFFREYS, Sheila. El retorno al género: el postmodernismo en la teoria lésbica y gay. En: La herejía lesbiana: una perspectiva feminista de la revolución sexual lesbiana. Editora Universitat de València: 1996.

JEFFREYS, Sheila. GENDER HURTS: A feminist analysis of the politics of transgenderism. Routledge Press. New York and London: 2014.

LERNER, Gerda. A Criação do Patriarcado. Editora Cultrix, São Paulo: 2019 (1986).

RAYMOND, Janice. The Transsexual Empire: The Making of the She-male. Teachers College Press, 1994.

SÁNCHEZ, Tasia Aránguez. Por qué, como mujer, votaría no a la nueva Constitución de Chile. Tribuna Internacional: El Confidencial. Em https://blogs.elconfidencial.com/mundo/tribuna-internacional/2022-09-02/mujer-voto-rechazo-constitucion-chile_3484032 /

YAOYÓLOTL CASTRO, Yan Maria. La cosmopercepción indígena lesbofeminista ante el generismo capitalista: Una perspectiva desde el lesbianismo feminista comunista indígena. En: Pensando los feminismos en Bolivia. Serie Foros 2. La Paz, Bolívia: 2012

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Memória Lésbica

O legado sapatão não será apagado: conteúdo lesbofeminista que busca retomar as raízes rebeldes do movimento de lésbicas.